PAURA The Construction of Fear (Creative Sources) Alípio C Neto / Dennis González / Ernesto Rodrigues / Guilherme Rodrigues / Mark Sanders
Rui Eduardo Paes
Saído na passagem de 2008 para 2009, o novo disco encabeçado por Alípio C Neto apanha-nos de surpresa, mesmo considerando que este desfecho já estava anunciado. Se o nível de qualidade não está longe do do anterior "The Perfume Comes Before the Flower" (ou seja, bem lá em cima), este é o título em que o saxofonista luso-brasileiro se entrega finalmente de corpo inteiro às práticas "avant-garde" que o seu trajecto mais recente ia prometendo. Distanciando-se das referências bop ouvidas com os grupos Wishful Thinking e IMI Kollektief, Neto entra aqui num território de cruzamentos entre o free jazz, as novas tendências da livre-improvisação e a música contemporânea que funciona não tanto pelos pontos em comum que as três vertentes possam ter, mas pelos contrastes jogados a preceito que os respectivos factores identificatórios, em termos de recursos e linguagens, encerram. A este nível, a inclusão de Dennis González neste quinteto, se podia parecer estranha antes de ouvir a música, funciona excelentemente. Vindo do universo free bop, o trompetista do Texas ora intervém na colectiva fabricação / organização de som (um achado, as sequências em que fala enquanto toca o seu instrumento na peça mais longa do disco, "Fear 2: Void and Voices"), ora faz aquilo que dele se espera, a oportuna introdução de planos melódicos e idiomáticos, embora sempre breves ou de carácter fragmentário.Os Rodrigues, pai e filho, constituem o eixo do que aqui se ouve, num trabalho de exploração intuitiva das capacidades da viola e do violoncelo, continuamente aplicando técnicas extensivas e remetendo-nos para alguma composição erudita actual. O inventivo e versátil baterista britânico Mark Sanders coloca-se entre as estratégias de actuação da dupla de cordofones e da dupla de sopros, somando-se aos primeiros para trabalhar texturas ou dando lastro aos segundos para os momentos mais orgânicos e intensos. Nesse sentido, é um garante de equilíbrio e a cola que junta todas as peças. O mentor desta sessão, por sua vez, é o que parece totalmente apostado em tornar esta proposta musical mais "figurativa" (por oposição a "abstracta"), incidindo as suas intervenções no timbre e no fraseio distintivo do jazz, com muita liberdade de movimentos, mas também de forma objectiva. O resultado desafia os exclusivismos estéticos a que vamos assistindo, o que é bastante positivo, e consegue excitar-nos os tímpanos. Bravo!
Rui Eduardo Paes
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